O impacto da informação contingente em contabilidade e auditoria
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2. A informação financeira e a incerteza

Normalmente, os factos económicos passíveis de reconhecimento nas demonstrações financeiras são constituídos por acontecimentos conhecidos e concretos, sobre os quais não existem quaisquer dúvidas acerca dos seus dados (natureza, quantia e vencimento), e que, por isso, são denominados de acontecimentos certos. Mas, juntamente com aqueles, surgem outros sobre os quais imperam determinadas dúvidas, em que existem níveis de incerteza, porque mesmo que seja possível afirmar com grande probabilidade que determinado acontecimento irá ocorrer e que respeita ao período em questão, não se conhecem todos os dados e circunstâncias inerentes (nomeadamente a quantia e o vencimento). Por outro lado, mesmo que a sua ocorrência seja possível, o facto ainda não se manifestou e está sujeito ao desenlace de acontecimentos que podem ou não ocorrer no futuro.

A complexidade que envolve a vida económica incrementa a importância atribuída à informação prospectiva. Não obstante a sua provável não exactidão, as características justificam as necessidades sentidas pelos utilizadores, sendo um importante complemento à informação tradicional. Como refere LEITE (2000, p.677) “em conjunturas instáveis, apesar da informação prospectiva ter a probabilidade de ser inexacta, compreende-se a sua utilidade. Por seu turno, a informação histórica, por respeitar a factos que já ocorreram no passado, em pouco contribui para os seus utilizadores tomarem decisões”. É esta a postura que caracteriza a informação contingente, na medida em que se prende com incertezas futuras, as quais dominam a actualidade económica. Procura-se substituir a precisão pela relevância [1] e utilidade da informação, a exactidão pela oportunidade, e a imagem fidedigna pela imagem útil, assente num modelo dinâmico que em nada se coaduna com o modelo estático da informação histórica tradicional. A informação contingente implica uma abordagem previsional, sendo aquela somente uma parte da informação financeira prospectiva.

Os outrora objectivos prioritários das demonstrações financeiras, como a medição exclusiva dos resultados e da situação patrimonial de uma empresa, têm vindo a ser substituídos gradualmente pela utilidade daquelas, uma vez que estas têm como destino uma grande variedade de propósitos, entre os quais a tomada de decisões. Por sua vez, o modelo de interpretação da realidade assente num tipo linear, em que era comum a expressão “diz-me o que se passou e o que se está passando, por meio da informação contabilística, que eu mesmo me encarrego de deduzir o que pode acontecer no futuro” (GONZALO ANGULO, 1996, p.12), deixa de fazer sentido nos dias de hoje, dadas as incertezas que envolvem a actividade económica.

A Contabilidade acompanha esta evolução na medida em que a concepção meramente jurídica, onde impera o direito de propriedade dos recursos e as obrigações efectivamente exigíveis por terceiros, vem dando lugar a uma concepção económica. Isto reflecte-se nas próprias definições dos elementos patrimoniais emanadas por organismos contabilísticos de normalização, como o Financial Accounting Standards Board (FASB) e o International Accounting Standards Board (IASB), donde se depreende que incluem, para além do facto jurídico, a natureza do facto empresarial, a quantia comprometida e o vencimento da mesma. A concepção económica leva a que a Contabilidade tenha em conta, para além dos factos certos, aqueles outros que dependem do desenlace de determinados acontecimentos futuros incertos, os quais não eram contemplados na perspectiva jurídica da Contabilidade.

Em princípio, a Contabilidade representa apenas acontecimentos certos, ou seja, acontecimentos passados. No entanto, o objectivo não pode se limitar à descrição do passado, impondo-se a necessidade de informação para prever o futuro. Logo, todo o tipo de informação que possa enriquecer a Contabilidade e ajudá-la a alcançar este último objectivo não pode deixar de estar presente nas demonstrações financeiras, pelo que se justifica a inclusão de acontecimentos contingentes na informação financeira. Conforme refere CASTRILLO LARA (1996, p.37), “a informação financeira não limitará o seu campo de intervenção apenas a acontecimentos ou factos certos, como tratará também outra série de acontecimentos ou factos prováveis, sempre que estes sejam controlados pela entidade e que tenham a sua origem em transacções ou eventos passados ou presentes”.

Na maioria das actividades desenvolvidas pelo ser humano, e de igual forma pelas empresas, raramente se conhece com certeza o resultado final das mesmas ou as consequências das decisões tomadas. O resultado final ou as consequências das actividades empreendidas estão dependentes da ocorrência de um conjunto de situações ou eventos relacionados com o ambiente que envolve o ser humano ou a empresa. Assim o corroboram SÁEZ OCEJO e MARTÍN-CASAL GARCIA (2000, p.187), para os quais “qualquer tipo de decisão que o ser humano adopte dependerá do acontecimento de eventos ou circunstâncias, que surgirão no próprio ambiente em que estes de desenvolvem”, denominando esta insegurança por incerteza. Uma vez que se torna difícil conhecer, total ou parcialmente, as consequências das acções empreendidas por uma empresa, esta também desenvolverá a sua actividade num ambiente de incerteza.

O risco tem sempre inerente a possibilidade de determinado resultado, implicando necessariamente incerteza. Ou seja, podemos afirmar que a ideia de risco contempla sempre dois elementos indispensáveis: a possibilidade e a incerteza. Segundo JAEGER, RENN, ROSA e WEBLER (2001, p.17) “a falta de predeterminação implica probabilidade e, consequentemente, incerteza”, embora “nem toda a incerteza seja risco”. Assim, para os autores supra, o risco é “uma situação ou evento em que qualquer coisa (...) foi posta em perigo e onde o resultado é incerto” (2001, p.17). O risco, como elemento de incerteza, irá influenciar a actividade do sujeito económico no desenvolvimento das suas acções. A incerteza que envolve cada sujeito económico varia de sujeito para sujeito e depende, fortemente, do tipo de actividade onde está inserido. O grau de incerteza, por sua vez, irá depender do volume de informação e conhecimentos do sujeito. E embora quanto mais informação e conhecimentos, logicamente, menor nível de incerteza, o mesmo não implica, necessariamente, uma redução do risco, na medida em que o risco, ao contrário da incerteza, trata-se de uma variável exógena e objectiva independente do sujeito. O que importa é minimizar as consequências destes riscos, o que se consegue se os convertermos em previsíveis até determinado ponto.

No que respeita à actividade económica, MARTÍN ZAMORA (2000, p.157) entende por incerteza “o desconhecimento ou conhecimento incompleto das consequências de uma decisão económica”, acrescentando que se encontra “inerente a toda a decisão na medida em que aquele que tomar uma decisão apenas pode pretender um conhecimento imperfeito ou incompleto do conjunto de circunstâncias que pode implicar a decisão adoptada”.

Aquando do encerramento do exercício torna-se necessário considerar, não apenas os acontecimentos já materializados, mas também aqueles factos e acontecimentos que se estão a desenrolar e cujos efeitos ainda não são conhecidos, uma vez que se assim não se procedesse, e simplesmente se ignorassem, as contas anuais não alcançariam o objectivo da imagem verdadeira e apropriada. Além do mais, a ausência de certezas não é razão suficiente para que ignoremos tais situações, mas pode levar a que se questione a fiabilidade das demonstrações financeiras.

Deste modo, há que recorrer a pressupostos, a estimativas e a cálculos aproximados, uma vez que a pretensão de exactidão não passa de uma utopia contabilística, que só pode ser reclamada dado o desconhecimento da essência da Contabilidade. Esta é a resposta às limitações, é a solução racional que opera como restrição dentro do modelo, com o qual a complexidade do problema aumenta, quando a certeza de que o referido gasto tenha incorrido se substitui por uma probabilidade.


 
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