O impacto da informação contingente em contabilidade e auditoria
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5. Alargamento do âmbito e alcance do relato financeiro

As normas são todas elas consensuais quanto à não contabilização dos activos contingentes, permitindo, em alguns casos, que se proceda à divulgação da informação sobre tais contingências no anexo. Contudo, o tratamento contabilístico defendido pelos diferentes organismos não é aceite por alguns sectores da comunidade académica. YARDÍN (1989), reconhecendo que a Contabilidade representa, acima de tudo, acontecimentos certos ou passados, salienta que o objectivo da informação financeira é, mais do que descrever o passado, prever o futuro, o que desde logo justifica que as contingências sejam alvo de reflexo contabilístico.

O facto de os ganhos contingentes não serem alvo de reconhecimento prende-se com evitar a contabilização de proveitos que corriam o risco de nunca se materializar. No entanto, quando a sua realização é certa ("virtualmente certa") já deixam de ser reconhecidos como contingências, para passarem a ser um acontecimento certo e passível de registo. Trata-se de uma incongruência, porque se se estipula que os ganhos contingentes não se reconhecem, deixa-se de se ter em conta a natureza dos acontecimentos quando se passa a permitir o registo, por não se tratarem, então, de contingências, ignorando-se assim o âmbito dos acontecimentos contingentes.

Porque é que um acontecimento com a mesma probabilidade de ocorrer, se for negativo tem um tratamento e se for positivo já tem outro totalmente diferente? O que se defende é uma diminuição do conservantismo excessivo que paira sobre a Contabilidade, que funciona como deturpador dos resultados, entendendo-se que os activos contingentes deviam ser sujeitos a referência na informação financeira, da mesma forma, sobre as mesmas bases, porventura com exigências mais elevadas em relação às contingências negativas, não se limitando apenas a uma menção no anexo. Tal seria possível através da contabilização destas contingências, mediante um aumento patrimonial numa conta que porventura se poderia denominar de "previsões positivas", em contrapartida de uma rubrica de "proveitos não realizados", a qual estaria sujeita à condição de não serem distribuíveis, pois teria um efeito negativo se nunca se concretizassem.

A Contabilidade cresceu viciada por um forte pessimismo nas suas demonstrações, devido à desmesurada adesão ao princípio da prudência. Tal como indica CEA (1985, p.530) [5], "o essencial é pretender mostrar a imagem fiel da entidade, enquanto que o acessório, em rigor, são os princípios contabilísticos". Ou seja, os princípios são o meio normal de aproximação, salvo excepções, à imagem fiel. Segundo o mesmo autor, se estivermos "perante alguma dessas excepções deveriam abandonar-se os princípios contabilísticos, devendo ser substituídos por soluções alternativas capazes de alcançar a imagem fiel".

Em nosso entender, os tais "proveitos não realizados" seriam alvo de divulgação, ao lado de eventuais custos não realizados ("não provisionáveis"), numa "demonstração dos resultados não realizados", cuja ideia remonta aos tempos de DUMARCHEY (1950, p.45), "que pode servir de alternativa ao modelo de reconhecimento da incerteza existente, satisfazendo as necessidades dos utilizadores da informação financeira, caminhando para uma vertente prospectiva das demonstrações financeiras, cumprindo os desejos de informação previsional de alguns utilizadores" (COSTA e LEITÃO, 2003a, pp.187-188). Tal demonstração "não ignoraria os ganhos potenciais ou contingentes, com as respectivas notas explicativas no anexo ao balanço e à demonstração dos resultados, que se julga ser informação pertinente, permitindo aos utilizadores retirar as suas próprias conclusões" (COSTA e LEITÃO, 2003a, p.188).

Neste sentido, reconhecendo a importância de uma análise virada para o futuro quando se está à frente da direcção de uma empresa, MANSO CORONADO (1996, p.19) esclarece que "a nova visão das coisas se reflecte na apreciação do balanço e da demonstração dos resultados serem documentos para o observador, enquanto que as previsões para o futuro serem os documentos dos accionistas". Isto justifica a criação de um novo tipo de informação financeira e não financeira que rompa com as convenções e tradições do balanço e da demonstração dos resultados, a qual seria complementar às demonstrações financeiras tradicionais e elaborada numa vertente prospectiva.

Assim, CRAVO e MACHADO (2000, p.6) referem que "não será difícil admitir que este crescendo de demanda informativa continuará e, não é de excluir a hipótese de, num futuro talvez não muito distante, as entidades se verem na obrigação (legal ou por exigência do mercado) de prestarem informação acerca do risco do seu próprio negócio". A própria IV Directiva [6] (art. 2.º, n.º 1) estabelece que "os Estados-Membros podem permitir ou exigir a inclusão nas contas anuais de outras demonstrações para além dos documentos previstos (…)", transmitindo uma posição que vai de encontro ao já referido.

CRAVO e MACHADO (2000, p.27) apresentam uma primeira abordagem à possível modelização da informação contingente, distinguindo entre os modelos simplificados que onde se inclui informação no anexo e mais tarde se evolui para uma eventual demonstração financeira autónoma, modelos desenvolvidos que abarcam, para além das demonstrações financeiras de partida, as demonstrações financeiras prospectivas e uma matriz de risco que sintetiza os resultados finais de análises de sensibilidade para cada um dos factores chave, e modelos individualizados destinados a actividades com maiores especificidades em termos de riscos e incertezas.

Para ALMEIDA (2003, p.21), a integração da incerteza nas demonstrações financeiras pode ser feita através dos seguintes modelos:

Os dois primeiros têm sido alvos de estudo. Quanto ao novo modelo de incorporação da incerteza na informação financeira, assenta nos mais ou menos recentes desenvolvimentos à volta da substituição do modelo contabilístico a custo histórico por um modelo baseado no justo valor.

Parece abrir-se a porta ao surgimento de novas peças contabilísticas que cumpram funções para as quais as demonstrações financeiras existentes não foram concebidas, apesar de todas as dificuldades relacionadas com a natureza da informação que se pretende incluir e com a estrutura que deveria assumir. Apesar de tudo, devem surgir esforços no sentido de se encontrar uma solução que dê resposta às necessidades dos utilizadores da informação, no que concerne à inclusão de riscos e incertezas nas demonstrações financeiras, quer seja em novas que devam surgir (demonstração dos resultados não realizados, relatório de exposição a riscos e incertezas, anexo às demonstrações financeiras potencias, etc.).

 
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