Os movimentos de reforma e a "accountability" |
2.2. A modernização do Estado e dos serviços públicos
Tal como na generalidade dos países, em Portugal, a reforma da Administração Pública tem sido um dos objectivos programáticos inscritos nas agendas políticas. O cumprimento deste objectivo é essencial para o incremento da eficiência, da eficácia e da economia e estas reformas têm sido conduzidas com vista a:
a) Aproximar a Administração Pública dos cidadãos;
b) Melhorar a prestação do serviço público; e
c) Desburocratizar.
Os planos de mudança reflectidos nos diferentes Programas do Governo e nas Grandes Opções do Plano integram, entre outras, as seguintes prioridades:
a) Desenhar um modelo de Administração Pública mais aberto à participação e menos burocratizado;
b) Recriar uma Administração Pública virada para o desenvolvimento sustentado do território e atenta às necessidades dos cidadãos e dos agentes económicos;
c) Desenvolver serviços públicos de qualidade, catalisadores de uma acção governativa eficaz e de um rápido desenvolvimento económico;
d) Garantir aos cidadãos e aos agentes económicos procedimentos administrativos mais simples, fornecer informação mais detalhada e de forma eficiente, reduzir a burocracia e os seus custos;
e) Qualificar e dinamizar os recursos humanos da Administração Pública proporcionando-lhes um coerente e apropriado desenvolvimento de carreiras;
f) Desenvolver a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação de forma a melhorar a gestão e a comunicação, estreitando o relacionamento entre a Administração Pública e os cidadãos.
Apesar das manifestações de vontade, certo é que muito há a fazer numa Administração Pública que apresenta um conjunto importante de problemas em diversa dimensões. A tipologia organizacional da Administração Pública é complexa e frequentemente desconhecida, fruto da ausência de tipificação legal clara e inequívoca (v.g. são utilizadas as designações Direcção-Geral, Departamento, Secretaria-Geral, Gabinete, Estrutura de Missão, Unidade de Missão, Conselho, Comissão, etc.), sendo necessário recorrer à doutrina para, nessa sede, procurar identificar as respectivas características dos serviços [8].
Em termos de estrutura organizativa a Administração Pública apresenta algumas disfunções que, a título exemplificativo, se salientam:
a) Quase todos os Ministérios possuem um Serviço Social com atribuição de diferentes regalias aos seus funcionários: subsídios de creche, jardim-de-infância, habitação, livros e material escolar, etc.;
b) Proliferação de centros informáticos, sem que se verifique entre eles uma coordenação de políticas de aquisição e assistência técnica de meios informáticos, bem como soluções/aplicações informáticas integradas, gerando-se, em consequência incompatibilidades entre os diversos sistemas;
c) A generalidade dos Ministérios possui um Gabinete de Relações Internacionais, igualmente sem articulação directa entre si;
d) Coexistem diversos estabelecimentos de ensino dispersos por vários Ministérios, ou diversos museus fora do Ministério da Cultura;
e) Todos os organismos públicos têm serviços de compras, de aprovisionamento, de contabilidade, sem que exista uma política integrada definidora de processos e meios afectos.
A diversidade conceptual existente na Administração, em torno de conceitos como programa, projecto, actividade, tarefa, acção ou produto, utilizados em diversos instrumentos de gestão, nomeadamente, Planos e Relatórios de Actividades, retira, na prática, utilidade a esses mesmos instrumentos, inviabilizando análises integradas que passem pela utilização de indicadores de resultados compatíveis entre si. Este problema vai muito para além de uma mera questão semântica, pelo que urge uniformizar critérios, provavelmente, recorrendo à elaboração de uma Taxionomia da Administração Pública.
Um outro problema diz respeito à falta de articulação e compatibilidade entre a realidade orçamental e os instrumentos de gestão, nomeadamente, entre o Orçamento e os Planos e Relatórios de Actividades, inviabilizando quer o acompanhamento contínuo do evoluir da despesa face aos objectivos da governação quer a evidenciação de qualquer análise cruzada.
É cada vez mais evidente a cidadãos, políticos e funcionários a necessidade de reequacionar as funções e o modo como o Estado se organiza. A reforma da Administração Pública não pode limitar-se a modificações ligeiras e aparentes, pelo que é essencial repensar o papel do Estado na sociedade, para que se evitem as circunstâncias inerentes a uma visão onde o Estado ao tentar fazer tudo, acaba por não realizar aquilo que é fundamental. É, pois, indispensável proceder à reavaliação das funções do sector público, sendo que esta conduzirá ao estabelecimento dos limites das tarefas e funções deste sector, no que se refere quer à produção e prestação de serviços quer à própria estrutura administrativa.
O fornecimento de bens e serviços pelo Estado é algo que os cidadãos esperam num sistema democrático, porém, a responsabilidade de concretizar essas expectativas pode recair quer em entidades públicas quer privadas. Os cidadãos dos países anglo-saxónicos acreditam que esta tarefa deve ser levada a cabo pelo mercado ou a título individual. Por seu lado, os cidadãos dos países Escandinavos consideram que este papel ou responsabilidade cabe ao Estado.
O nosso país, tal como outros, depara-se actualmente com novos desafios e é confrontado com novas realidades, tais como o envelhecimento da população, a internacionalização da economia, a necessidade de uma competitividade crescente, a redução da carga fiscal e o aumento das expectativas dos cidadãos face aos serviços públicos prestados. Face a este enquadramento é necessário que o Estado se adapte às exigências de uma nova época. É necessário levar a cabo uma política coordenada de gestão de recursos humanos no seio da função pública, devido em grande parte à evolução demográfica actual, que cria oportunidades para a reorganização dos efectivos a fim de se obter uma Administração mais célere e eficaz. As novas tecnologias da informação constituem também uma oportunidade real para realizar ganhos de produtividade.
Reformar implica determinar, numa primeira fase, qual a organização do Estado, quais as funções que lhe estão destinadas, qual o papel por ele desempenhado. Torna-se, pois, fundamental delimitar as funções que só o Estado tem competência para desempenhar, e das quais não pode abdicar, e aquelas que podem ser desenvolvidas por outras entidades de um modo mais adequado e eficaz. Este processo deverá iniciar-se por responder à questão de “Quem faz o quê” na AP pois como sabemos, muitos organismos desenvolvem actividades que nada têm a ver com a sua missão e para as quais têm reduzida capacidade. Só depois deverá seguir-se para o levantamento de processos com vista a responder à questão “Como se faz” e identificar as melhores práticas que devem ser replicadas na generalidade dos serviços.
Uma verdadeira reforma exige que se faça a distinção, por um lado, entre as entidades que desempenham funções estratégicas e as entidades que desempenham funções de apoio, e por outro lado, dentro de cada entidade, a identificação das actividades que contribuem directamente para a sua missão e aquelas que só indirectamente lhe dizem respeito. A especialização de competências permitirá obter ganhos de eficiência e a comparação de performances entre serviços e entre o sector público e privado, contribuindo para algo fundamental que tem faltado nos serviços públicos, ou seja, a definição de padrões de serviço (“service level agreements”). Por regra, cada entidade pública procura ser auto-suficiente nas suas necessidades de aprovisionamento, de serviços de cópia, de apoio jurídico, etc. A inexistência de padrões de serviço leva a que cada organização desconfie da prestação das outras e procure “remediar” as deficiências. Só com uma política responsabilizadora da qualidade de fornecimento de cada agente é possível fazer uso de economias de escala obtidas, por exemplo, por intermédio de serviços partilhados em certas áreas, nomeadamente, serviços contabilísticos, jurídicos, informáticos ou de aprovisionamento.