Os movimentos de reforma e a "accountability"
Página Anterior
Página Seguinte

2.4. Descentralização: factor de modernização e democratização

Uma dimensão associada aos movimentos de reforma, em Portugal bastante negligenciada, diz respeito à descentralização, em particular, no caso português, a favor dos municípios.

O impacto da descentralização em cada país é moldado pelo contexto social em que ocorre e na medida em que induza a socialização dos valores democráticos nos cidadãos assim aumentará a performance das instituições representativas. Não obstante, as reformas de descentralização parecem não promover de igual modo a democracia em todos os lugares, pelo que a questão que se coloca é saber se a descentralização promove de facto uma democracia local mais participada. O principal argumento é que a força e o tipo de governo local e da sociedade civil, ou o contexto sociopolítico local, influenciam o grau em que as reformas de descentralização influenciam a democracia. Se o objectivo é ter instituições performantes, i.e., que são sensíveis aos desejos e necessidades dos cidadãos e eficientes no uso dos recursos, então a descentralização é o primeiro passo para o sucesso [9]. Uma análise da literatura sobre sociedade civil sugere a importância de olhar para a sociedade civil como uma variável dinâmica e independente, com capacidade de influenciar a construção da democracia.

Para caracterizar esta realidade utilizaremos como quadro teórico de referência o Modelo de Democracia Descentralizada [10]. A variável independente do modelo é o contexto socio-político local. A variável dependente é o tipo de democracia medido por 2 factores: aumento da participação de diversos actores sociais ou capacitação (empowerment), e aumento de prestação de contas pela administração local a esses actores.

Uma sociedade civil forte é aquela em que os interesses das pessoas estão organizados a partir de baixo e que o padrão da conjugação de interesses é uma rede policêntrica, densa e associativa entre os grupos sociais. Uma sociedade civil fraca é aquela em que a organização dos interesses é dependente de recursos e/ou de actores do topo e onde existe uma padrão de agregação de interesses hierárquico ou polarizado.

Quanto à distinção entre governo local forte ou fraco é baseada no grau de autonomia administrativa local e da sua capacidade de gerir. Um governo local forte é aquele em que o município tem poderes independentes dos interesses da elite local para desenhar e implementar políticas relativas ao interesse mais vasto da sua população. A força é também determinada pela capacidade de gestão, onde uma administração municipal forte tem muitos recursos disponíveis para incorporar nas suas estratégias de gestão. Pelo contrário, um governo local fraco é aquele onde o controlo local é dependente da elite e onde não existem recursos suficientes.

A conjugação destas variáveis gera 4 tipos de democracia descentralizada que se poderão definir da seguinte forma:

Do modelo apresentado podem retirar-se 4 conclusões importantes:

Em síntese, o Modelo de Democracia Descentralizada, permite combinar teoricamente os conceitos inter-relacionados de sociedade civil, democracia e descentralização, sugerindo que é a qualidade e a força quer da sociedade civil quer da administração municipal, considerados em separado e em relação mútua, que classifica o tipo de democracia descentralizada existente em cada município.

O fracasso ou o sucesso na prestação de serviços públicos, de acordo com a perspectiva da descentralização, é um efeito não apenas de aspectos técnicos da governação local mas também da distribuição de poder para gerir os assuntos locais entre o governo central e o governo local. Os defensores da descentralização tendem a queixar-se da falta de vontade do governo central para devolver poder ao governo local. A descentralização aparece muitas vezes como uma mera tentativa do governo central empurrar para o governo local custos políticos, apesar de os governos locais não serem, longe disso, agentes passivos. Assim, centrar a análise apenas nas relações formais entre governo central e local pode ser insuficiente, uma vez que as influências do governo central sobre o local podem ser indirectas e informais. Mais, o relacionamento é bidireccional, caracterizado pela negociação, persuasão e diálogo mais do que pelo quadro normativo.

Nestas circunstâncias, e na perspectiva da descentralização, o fortalecimento do governo local exige a reestruturação de todo o sistema governativo. As deficiências nos serviços públicos locais reflectem não apenas a fraqueza do governo local mas também os problemas do sistema de governo, pelo que a verdadeira reforma deve incluir a clarificação da divisão de funções, poderes e recursos, entre os níveis de governo, uma vez que deste modo se eliminam duplicações e se obrigam os responsáveis a prestar contas (Dillinger, 1994). A ausência de políticas estratégicas que definam os objectivos e meios da cooperação entre instituições da administração central desconcentrada e os municípios dificultam à partida potenciais sinergias no desenvolvimento local e nacional.


 
Página Anterior
Página Seguinte