O POCAL como instrumento de modernização e reforma da administração local
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3.5. Limitações do POCAL ao nível da prestação de contas

Não temos a veleidade de analisar todas as deficiências ou insuficiências do quadro legal consagrado pelo POCAL em termos de prestação de contas, mas apenas suscitar algumas questões sobre este tema, designadamente no que respeita à problemática da consolidação de contas e à sua adequação como instrumento de prestação de contas e de responsabilização dos gestores municipais perante os cidadãos.

3.5.1. A consolidação de contas nas autarquias locais

Se, no passado não muito distante, a prossecução das competências municipais e, assim, a respectiva provisão de bens e serviços locais, era tradicionalmente desenvolvida, quase de modo exclusivo, directamente pelas estruturas orgânicas internas de cada município (os designados serviços municipais), nos últimos anos temos assistido a uma alteração significativa ao nível da intervenção das autarquias locais (em especial dos municípios).

De facto, aquelas entidades recorrem, de um modo cada vez mais intenso, a formas de organização diversas da gestão tradicional, alegadamente de modo a procurar cumprir mais eficazmente com a sua atribuição genérica, ou seja, prosseguir o interesse público.

Muito especialmente, tem-se assistido ao recurso a formas de organização que, por esta ou aquela via, se aproximam ou se regem pelo direito privado, assumindo muito particular importância a criação de inúmeras empresas municipais após a publicação da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, que veio regular a constituição e funcionamento das mesmas.

Assim, e não obstante as limitações que existem em termos da informação sobre a dimensão actual do universo do sector empresarial municipal ou mesmo sobre outro tipo de participações dos municípios em entidades de natureza diversa, pode-se afirmar que o "universo municipal" comporta, pelo menos, as seguintes entidades:

Em consequência de tal evolução, pode, actualmente, constatar-se que os municípios desenvolvem a sua actividade não apenas através dos seus serviços, mas com recurso a um conjunto de entidades que dominam ou em que participam, podendo hoje afirmar-se que este conjunto de entidades funciona numa lógica de grupo, pois prossegue objectivos e fins comuns, que são (ou devem ser) definidos ao nível do município que o lidera.

No entanto, no POCAL, nada se prevê em termos da imprescindível "integração" da informação relativa às actividades desenvolvidas pelo conjunto de entidades que eventualmente façam parte do "grupo municipal", não sendo de facto, efectuada qualquer exigência em termos de consolidação de contas [42].

Ora, tal omissão suscita-nos algumas questões:

De facto, as questões referidas levam-nos a concluir que a actual prestação de contas dos municípios, ao abranger apenas as actividades desenvolvidas directamente pelos seus serviços, acarreta uma enorme limitação em termos de prestação de contas e de apreciação do seu desempenho financeiro ou de outra natureza.

Exige-se, assim, a nosso ver, que rapidamente se caminhe para a consolidação de contas, sendo de salientar que as demonstrações financeiras consolidadas constituem um complemento e não um substituto das demonstrações financeiras individuais das entidades integradas num "grupo municipal".

A omissão no POCAL de tal exigência constitui, a nosso ver, uma das grandes fragilidades da actual prestação de contas dos municípios e não permite uma avaliação rigorosa do seu desempenho.

3.5.2. A prestação de contas e a responsabilização dos autarcas perante os cidadãos

Por outro lado, também nos suscita grandes dúvidas que o POCAL, com toda a tecnicidade que envolve, seja susceptível de constituir um adequado instrumento de prestação de contas e de responsabilização dos gestores municipais perante os cidadãos, que permita a avaliação da gestão autárquica.

Parece-nos, aliás, que existe uma espécie de transacção entre o aumento dessa tecnicidade (que propusemos, por exemplo, no ponto anterior) e a consequente diminuição da capacidade daquele documento para dar resposta adequada ao objectivo referido.

Pode, de facto, a nosso ver, argumentar-se, fundamentadamente, com o provável desinteresse do cidadão comum (a quem as prestações de contas das entidades públicas se devem destinar de forma especial) pelas demonstrações apresentadas com base neste novo plano, dado que a sua complexidade as torna dificilmente entendíveis pela generalidade das pessoas.

Por isso, não nos parece que a prestação de contas prevista no POCAL seja um instrumento adequado e suficiente em termos de prestação de contas e de responsabilização dos gestores municipais perante os cidadãos, de modo a que estes possam apreciar o seu desempenho.

Acresce que, enquanto que nas empresas privadas o objectivo último é o lucro ou a maximização dos resultados, nas entidades públicas o objectivo é o fornecimento de bens e a prestação de serviços aos cidadãos, sendo que, neste caso, os custos são a sua expressão quantitativa e os proveitos, a simples forma de cobrir aqueles.

Não se desconhece, aliás, a polémica que envolve o apuramento de resultados (na linguagem das empresas, lucros ou prejuízos??) numa entidade pública, atendendo a que, como é evidente, nestes casos os proveitos não constituem, como nas empresas, uma boa medida do seu desempenho, devendo ser considerados outros aspectos ligados ao funcionamento da administração.

Todavia, Bargues (1992: 275) apresenta um conjunto de razões que justificam o interesse no apuramento do resultado por entidades públicas, as quais nos parecem convincentes, a saber: conhecer o grau de auto-suficiência da entidade, dar resposta a exigências da contabilidade nacional e manter a equidade intergeracional.

De entre os aspectos referidos é de salientar o indicado em último lugar, pois a demonstração de resultados possibilita que se verifique se os proveitos do ano são suficientes para cobrir os custos dos bens fornecidos e dos serviços prestados nesse ano e, consequentemente, saber se os futuros contribuintes serão chamados a assumir os encargos por serviços prestados às gerações anteriores [43].

De qualquer modo, o apuramento de um resultado contabilístico pelas entidades públicas tem, a nosso ver, como já referimos, algum interesse e significado, mas a avaliação do seu desempenho também tem necessidade de recorrer, em qualquer caso, a indicadores de outra natureza.

Ora, na conjuntura actual o cidadão está cada vez mais interessado em saber o que se passa com os seus impostos e se estes estão a ser bem aplicados, mostrando-se, por isso, progressivamente mais exigente em termos da informação disponibilizada pelas entidades públicas.

Parece-nos, desta forma, que seria desejável consagrar no POCAL a obrigatoriedade de incluir na prestação de contas das autarquias locais um outro tipo de informação, que fosse acessível e transparente para a generalidade das pessoas, o que poderia passar pela apresentação de um conjunto de indicadores de gestão (não apenas financeiros, como já se encontra previsto no POCAL) que facilitassem o entendimento dos documentos apresentados e dos resultados da actividade da entidade, de modo a tornar possível ao cidadão a avaliação da gestão municipal.

 
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