Os novos desafios do controlo da administração das receitas tributárias no dealbar do sec. XXI
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2. Um salto do passado ao presente

Como referimos, supra, o controlo da administração das receitas tributárias tem constituído, desde a criação da IGF, uma das suas principais atribuições, que, necessariamente, para a sua concretização prática, teve conceitos de controlo, metodologias, técnicas, meios e ambientes completamente diferentes, consoante os períodos de tempo em que se desenvolveu, uns mais longos que outros, como é evidente.

Mas, é nossa convicção que uma das principais virtudes inerentes à cultura da IGF consistiu em convencer todo o seu corpo inspectivo para estar atento ao presente, considerar os ensinamentos do passado e preparar o futuro, tendo como lemas aprender com os melhores, não ter receios à mudança, apostar na qualidade e inovação, e ler constantemente os sinais dos tempos em matéria de controlo e a melhor forma de os interpretar.

Vejamos, pois, ainda que em simples relance, alguns dos aspectos da evolução do conceito de controlo a que a IGF pretendeu sempre dar uma resposta em termos de assegurar a qualidade e impacto da sua intervenção.

O termo "controlo", no sentido tradicional em que foi usado, durante muito tempo, pelo menos, até ao final da década de 80, no seio da nossa Administração Pública e até pelo público em geral, tinha um significado restrito de verificação da legalidade do desempenho funcional por referência a uma determinada norma. Era e ainda é o chamado controlo da legalidade, também muitas vezes conotado com o termo "inspecção".

Na verdade, um dos meios tradicionais do exercício do controlo público, incluindo o tributário, eram as chamadas "inspecções", realizadas pelas Inspecções-Gerais, enquanto organismos internos da Administração Pública.

Este tipo de controlo era, assim, típico do modelo de gestão dita "burocrática", centrando-se os principais objectivos das Inspecções na reposição da legalidade e no exercício da acção disciplinar sobre os infractores, procurando garantir a realização efectiva dos gastos e a prestação dos serviços para as finalidades previstas, de acordo com as normas de procedimento vigentes, zelar pela segurança dos fundos e garantir a conformidade com as regras da contabilidade pública. Competia-lhes, pois, assinalar os erros, as faltas e os abusos cometidos pelos agentes, reflectindo uma cultura administrativa que apenas retinha os aspectos negativos e se assumia como sancionadora de irregularidades e desvios.

Todavia, com o tempo, este tipo de controlo - meramente contabilístico e jurídico - foi considerado insuficiente para resolver os principais problemas de contenção e optimização das despesas públicas, passando, em determinada altura, a ser pacífico considerar que a sujeição ao requisito formal da lei e ao princípio da legalidade não era suficiente para assegurar um novo tipo de controlo que se impunha e era já seguido pelos países mais desenvolvidos : a auditoria da boa gestão financeira e a auditoria do desempenho ou de resultados.

Efectivamente, as Administrações Públicas passaram a ser administrações de prestação, pelo que os seus serviços/produtos deveriam passar a reunir um conjunto de requisitos de qualidade - deveriam ser justos, transparentes, eficientes e eficazes - e não apenas isentos de vícios ou erros de legalidade. E foi, assim, que estes requisitos passaram a constituir também requisitos da legalidade do acto administrativo, de acordo com os princípios consagrados no n.º2 do artº 266.º da Constituição e nos artºs 4.º e 10.º do Código de Procedimento Administrativo, pelos quais se estabeleceram definitivamente para a gestão pública os princípios da economicidade e da eficiência, em função dos quais deveriam passar também todos os serviços públicos a ser avaliados e controlados.

Neste contexto, surgiu um novo desafio que consistia em procurar avaliar em que medida era possível aumentar a eficiência e a eficácia da Administração Pública - produzir mais e melhor com menos meios - o qual, a pouco e pouco, se veio a tornar uma preocupação comum a todos os países, qualquer que fosse o seu regime político. Por outro lado, os cidadãos, assumindo a sua qualidade de contribuintes e clientes, passaram simultaneamente a exigir uma diminuição das cargas fiscais e uma melhoria dos serviços prestados, sendo este aparente paradoxo que obriga o sector público e as instituições de controlo, na década de 90, a rever toda a sua actuação.

Foi, portanto, pela falta de respostas do controlo tradicional exercido ao novo modelo de gestão pública, que se começou a exigir um novo tipo de controlo, começando aí a subalternização do controlo da legalidade [1] face à avaliação da economia, eficiência e eficácia da gestão pública, uma vez que o controlo tradicional não incluía a análise da adequação das acções empreendidas aos objectivos propostos, nem quaisquer considerações sobre a forma mais eficaz de o fazer.

Por outro lado, contrariamente ao que aconteceu nos países latinos, a noção de controlo escandinava e anglo-saxónica apresentava, desde há várias décadas atrás, um carácter positivo de impulso corrector mais que de censura, e abarcava por isso todo o processo dinâmico duma acção desde a sua concepção, de acordo com um plano estabelecido, ao acompanhamento em todas as fases da sua execução até à avaliação dos resultados e proposta de medidas correctoras.

Neste contexto, a intervenção da IGF, em geral, e no que concerne ao controlo da administração das receitas tributárias, em especial, procurou dar resposta a tal desafio, passando a direccioná-la, sobretudo nos finais da década de 80, para um tipo de controlo centrado na avaliação da eficácia e eficiência do desempenho e da gestão dos serviços públicos tributários, gerando-se novos produtos: auditorias de desempenho, auditorias de sistemas e auditorias temáticas, relegando-se a pouco e pouco para um segundo plano as auditorias de simples regularidade, mais conhecidas por "inspecções".

Esta filosofia de actuação passou, assim, a assentar num controlo substancial e já não meramente formal, isto é, procedendo à avaliação do mérito do desempenho dos serviços - no conteúdo e na sua oportunidade, com apelo a metodologias e critérios práticos inspirados nas auditorias privadas [2].

Denote-se que estas ideias que só na década de 80 do sec. passado começaram a fazer carreira nos países latinos foram, nos países de cultura Anglo-saxónica, implementadas há muito; sendo também coadjuvadas por medidas de simplificação dos controlos considerados burocráticos, preteridos pelo princípio da responsabilidade dos gestores, a "accountability" , que implica não só a responsabilização pela gestão, medida pela sua eficácia e boa gestão financeira, mas também pelo respeito duma certa ética pelos poderes públicos.

E foi, assim, que surgiu o chamado controlo de gestão de valor acrescentado "value for money", como instrumento privilegiado na procura da eficácia: obter os resultados previstos, e da eficiência: alcançar o melhor resultado possível com os meios disponíveis e com os gastos previstos. As suas principais preocupações são o controlo de custos internos, óptica considerada, ainda assim, muito estreita no quadro dum sector público que tem também que apresentar bons resultados.

Ora, foi neste tipo de controlo, traduzido no produto denominado de "auditoria do desempenho", que a IGF mais tem apostado nos últimos tempos em termos do controlo privilegiado a exercer no âmbito do controlo da administração das receitas tributárias, relativamente ao qual muito poderíamos dizer, em termos de metodologias e técnicas a utilizar e aperfeiçoar, bem como das dificuldades existentes para a sua boa realização, traduzida sobretudo na falta de indicadores objectivos de actividade ou de gestão necessários.

A título de referência sobre estas dificuldades, onde há ainda um longo caminho a percorrer, referirei apenas, como já escrevemos noutra altura [3], que, quando, em termos de controlo e avaliação da gestão pública nos tempos que correm, se apela cada vez mais às entidades de auditoria interna e externa para que desenvolvam auditorias de desempenho [4], de resultados e da boa gestão financeira (o tempo em que as entidades de controlo se ocupavam exclusivamente das auditorias financeiras e de regularidade e que os auditores provinham de uma formação académica muito restrita - economia, gestão e contabilidade - já lá vai [5]), cujos objectivos se centram na avaliação da economia, eficiência e eficácia (3 E´s) da gestão [6], deveremos ter em conta, em primeiro lugar, que, no campo prático da auditoria, a avaliação autonomizada da eficiência e da eficácia de qualquer Administração integra a análise de um múltiplo conjunto de factores - chave e de indicadores de gestão [7], e só uma adequada ponderação de todos esses elementos, segundo as técnicas e as normas geralmente aceites em auditoria, poderá permitir a um auditor, sábio e experimentado no negócio da entidade ou serviço auditado, emitir um juízo de valor correcto, credível e fundamentado.

Assim, para que seja possível avaliar a eficácia e eficiência dos serviços públicos, é fundamental que os mesmos disponham de sistemas de informação de gestão, de planeamento de actividades, de controlo interno e de monitorização contínua de resultados que permitam aos auditores internos e externos obter e criar os indicadores necessários para esse efeito.

Na verdade, a avaliação da eficiência e da eficácia das administrações públicas só é possível pela análise de um múltiplo conjunto de indicadores de vária natureza e de factores-chave ou referenciais de avaliação - os seus factores caracterizadores e condicionantes, os quais deverão ser avaliados de uma forma integrada e de acordo com as normas e técnicas específicas, geralmente aceites em auditoria/avaliação do desempenho ou de gestão.

Reconhece-se, porém, que, no caso português, há ainda muito ou quase tudo que fazer nesse sentido, muito embora a Administração Tributária (AT) seja uma excepção a esta situação, considerando que já dispõe de muitos indicadores de gestão que têm permitido efectuar uma adequada avaliação de resultados das suas principais actividades, sobretudo dos Serviços de Finanças.

Note-se, porém, que estes métodos de avaliação de desempenho ou de resultados assentam numa nova filosofia de gestão pública - a "gestão por objectivos", orientada para a qualidade e resultados [8], que pressupõe assim a definição de objectivos, estratégicos e operacionais, e metas a atingir em cada ano devidamente quantificadas.

A título meramente ilustrativo, e no caso específico da AT, tais objectivos poderiam ter o enquadramento/potenciação dos seguintes vectores estratégicos [9]:

Em suma, percorreu-se até ao momento um longo caminho de adaptação à mudança que os novos modelos de gestão e os conceitos de controlo foram exigindo, gerando assim uma necessidade de resposta adequada por parte dos modelos de controlo a utilizar, em termos de objectivos, métodos, produtos, técnicas e recursos.

Estas respostas nem sempre foram fáceis. Todavia, as que se têm dado até ao momento e apresentam algum êxito assentam, sobretudo, em apostas feitas no uso das novas ferramentas da auditoria e nas novas tecnologias de informação, na formação sistemática dos auditores, na qualidade dos produtos e no seu impacto nos respectivos destinatários directos e indirectos. Isto permitiu, a nosso ver, fazer mais e melhor e com muito menos recursos.

Sabemos, contudo, que muito há ainda para aperfeiçoar e aprender, de modo a podermos enfrentar e preparar o futuro. Neste sentido, daremos também o nosso contributo, apresentando a seguir a nossa visão, em termos de algumas ideias-chave, fruto da nossa reflexão.

 
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