Parcerias público-privadas - fiscalização e controlo da execução das parcerias
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2. O posicionamento do Estado na economia

A Constituição identifica as diferentes funções do Estado na organização do processo económico, as quais se podem resumir a uma primeira onde o Estado surge como empresário (o Estado produtor de bens ou prestador de serviços) e a uma segunda onde compete ao Estado regular, entenda-se condicionar, fiscalizar, planear e promover, as actividades de terceiros (o Estado regulador). Os tipos de intervenção na economia são distintos e feitos através de instrumentos com natureza diferente, consoante a posição do Estado perante a actividade económica em geral. O Estado pode reservar para si o exercício de certas actividades ou mesmo concorrer com agentes económicos privados, intervindo desta forma directamente na economia do País. Por sua vez, o Estado regulador tem um papel de agente externo ao mercado, incentivando ou limitando a actividade de terceiros, através de meios de natureza político-legal ou contratuais.

O maior ou menor peso do Estado na economia é definido pelas políticas económicas dos governos, com influência das suas origens ideológicas. No entanto, é notório que o Estado produtor tem vindo a perder importância, ao contrário do que se passa com o Estado regulador, fortemente impulsionado pela importante dimensão da regulação económica com a adesão à União Europeia.

No período do liberalismo, o posicionamento dos Estados nas economias da generalidade dos países europeus, como forma de intervenção directa limitava-se aos investimentos em infra-estruturas de interesse geral, aos serviços de correios, comunicações, transportes ferroviários, à indústria de material de guerra e a alguns monopólios geradores de receitas fiscais (tabacos). Outros serviços de interesse público, como a distribuição de água e electricidade, eram assumidos pelos municípios.

Segundo as doutrinas liberais, a intervenção do Estado só deveria ser justificada quando existissem falhas no mercado, ou seja, em situações de excepção, entenda-se incapacidade de produção de determinados bens ou serviços de interesse geral, casos de monopólios naturais como os caminhos de ferro, ou actividades que não podiam ser desassociadas do Estado, como por exemplo as imprensas nacionais ou os estabelecimentos fabris das forças armadas. O Estado não deveria actuar como agente económico, de modo a não influenciar o normal funcionamento do mercado.

No período pós II Guerra Mundial, reflexo de todo um contexto político e ideológico, países como a França e a Inglaterra iniciaram processos de nacionalização de empresas privadas, o que implicou o surgimento das empresas públicas. O Estado passava a ter um peso determinante na economia, controlando alguns dos sectores mais importantes. Em Portugal, a evolução da actividade empresarial do Estado não decorreu de forma idêntica aos restantes países da Europa. A forma jurídico-institucional da empresa pública apenas surge na década de 60, em que se assiste à transformação de alguns serviços públicos económicos, que detinham personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, e à criação de raiz de outras empresas públicas. Para além disso, verificavam-se participações públicas nos capitais de empresas de capitais privados, onde se fomentava a colaboração entre a economia pública e privada em alguns sectores considerados determinantes, como os empreendimentos ligados à siderurgia nacional e à produção de energia.

No período seguinte à Revolução de 1974 assiste-se a um reforço da importância do sector empresarial do Estado. O sector público produtivo tinha um papel fundamental a desempenhar na economia portuguesa, a nível económico, social e mesmo político. Passou a incluir um conjunto de empresas dispersas pelos mais variados sectores de actividade, que foram alvo do processo de nacionalizações e transformadas em empresas públicas [1]. A nacionalização de empresas foi entendida com uma medida decorrente do processo de democratização e de alteração da estrutura económica que sustentava o anterior regime. O poder político da altura enveredou por uma estratégia de eliminação dos grandes grupos económicos.

A revisão constitucional de 1989 veio eliminar o princípio de irreversibilidade das nacionalizações, suprimindo o principal limite à reprivatização de empresas nacionalizadas. Aproveita-se para elaborar um vasto plano de reprivatizações, que conduziria a uma compressão do sector público produtivo, através da alteração do posicionamento do Estado na economia do País, reduzindo ou eliminando a sua intervenção, em favor do sector privado. A redução do papel do Estado na vida económica está fortemente relacionada com o movimento das privatizações, o qual, em termos ideológicos, está associado à renovação das doutrinas liberais (neoliberalismo) [2]. As principais razões para explicar este movimento, que se verificou em praticamente todos os países ocidentais, são amplamente conhecidas:

A diminuição do peso do Estado na economia, através da entrega a privados de funções anteriormente desenvolvidas pelo sector público, poderá ser feita de diferentes formas, todas elas associadas ao termo privatizações. A forma mais comum, que se entende por privatização em sentido estrito, respeita à simples "transferência total ou parcial da propriedade de empresas e/ou bens públicos para entidades privadas" (SANTOS, GONÇALVES e MARQUES, 1997, p.192).

No entanto, não podemos restringir o termo privatização à mera transferência de propriedade para o sector privado. Pode-se classificar de privatização o acto de conceder a entidades privadas, mediante a celebração de um contrato, a gestão de empresas públicas ou de serviços públicos. Por outro lado, a possibilidade de acesso da iniciativa privada a sectores anteriormente vedados ao sector privado, que eram explorados pelo sector público em regime de monopólio ou onde existiam privilégios especiais para o Estado (telecomunicações, televisão, energia, entre outros), trata-se da abertura do mercado aos privados [3]. Nem todas as formas de privatização implicam a transferência da propriedade pública ou da gestão de meios de produção públicos para o sector privado (privatizações materiais), havendo situações em que apenas se trata do reforço do peso dos privados nas actividades económicas de um país (privatizações formais).

Em Portugal, a desintervenção do Estado em sectores de actividade antes considerados estratégicos ou desassociáveis do domínio público tem-se caracterizado por processos de privatizações de empresas do sector público, pela entrega a privados da responsabilidade por actividades de interesse económico geral, pela liberalização de sectores-chave da economia portuguesa e pela desregulação de outras tantas actividades de importância considerável, em que se procura desenvolver determinadas competências inerentes ao novo conceito de um Estado moderno [4], enquadrado nas ideologias neoliberais.


 
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