Parcerias público-privadas - fiscalização e controlo da execução das parcerias
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4.2. A fiscalização e controlo das parcerias

Os poderes de fiscalização e acompanhamento das parcerias encontram-se definidos no capítulo III, do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril. O artigo 12.º refere que "os poderes de fiscalização e controlo da execução das parcerias são exercidos por entidade ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e financeiras e pelo ministro da tutela sectorial para as demais".

Uma vez que compete à IGF o controlo da administração financeira do Estado, onde se incluem entidades do sector público administrativo e empresarial, para além do seu âmbito de intervenção se alargar ao sector privado e cooperativo, quando sujeitos de relações financeiras ou tributárias com o Estado, a Ministra de Estado e das Finanças determinou "que os poderes de fiscalização e controlo da execução das parcerias público-privadas previstas no artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, sejam exercidas pela Inspecção-Geral de Finanças quanto às matérias económicas e financeiras" (Despacho n.º 13 940/2003, do Gabinete da Ministra, de 7 de Julho) [38].

Segundo o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, as finalidades das PPP são atingidas através de "formas de controlo eficazes que permitam a sua avaliação permanente por parte dos potenciais utentes e do parceiro público". Por sua vez, o artigo 5.º do mesmo diploma, reforçando essa ideia, incumbe o parceiro público das responsabilidades de "acompanhamento e o controlo da execução do objecto da parceria, por forma a garantir que são alcançados os fins de interesse público subjacentes (…)". Ou seja, depreende-se a atribuição de um papel bastante importante às entidades de controlo, co-responsabilizando-as pelo efectivo alcance do desempenho e resultados pretendidos.

Parece exigir-se um controlo mais rigoroso e directo do Estado na gestão destas empresas privadas, mediante um controlo estratégico da respectiva gestão, e não apenas através do controlo e fiscalização genericamente previstos no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro. De modo a promover esse maior controlo, e apesar das competências atribuídas à PARPÚBLICA, talvez se justificasse a criação de uma entidade horizontal do sector público (do tipo Treasury Task Force no Reino Unido), com funções de planeamento, consultoria, coordenação e gestão das parcerias [39].

4.2.1 A intervenção da Inspecção-Geral de Finanças

A IGF averigua a legalidade, economia, eficiência e eficácia da gestão dos parceiros privados, o que praticamente corresponde a uma análise bastante abrangente, certifica os montantes atribuídos a título de indemnizações compensatórias e de comparticipações nos investimentos, verifica todo o clausulado dos contratos e avalia a situação económica e financeira da concessão e da concessionária e, por fim, identifica situações passíveis de gerarem reposições do equilíbrio financeiro. Será que o alcance dos trabalhos desenvolvidos, no âmbito do controlo financeiro e mediante o estipulado nos contratos de concessão, não é compatível com a publicação do diploma de enquadramento das parcerias?

O que se pretende é equacionar se a intervenção da IGF não se deveria alargar a outros âmbitos, assumindo uma maior responsabilidade em assegurar o alcance dos fins de interesse económico geral, como decorre do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, pelo que se optou por identificar alguns dos possíveis espaços operacionais, que se julgam conciliáveis com um novo papel da entidade de controlo interno, a par da nova posição do Estado na economia.

4.2.1.1. Avaliação da performance previsional ao longo da execução das parcerias

Trata-se de colocar uma ênfase, ao longo do trabalho de fiscalização e controlo da execução das parcerias, na performance previsional do projecto, em que o objectivo primordial se prende com a demonstração da capacidade actual e futura do mesmo gerar cash flows suficientes. Pretende-se identificar se existem garantias ao nível de estabilidade futura das condições de exploração do projecto, aferindo a sua sustentabilidade, não se limitando a uma análise da situação económico-financeira com base em informação histórica, e enveredando pela avaliação da informação financeira prospectiva.

O organismo de controlo deverá verificar a adequação e razoabilidade dos pressupostos utilizados, aferindo da sua coerência tendo em conta os planos de actividade anuais e plurianuais, para além da conformidade da preparação da informação previsional com tais pressupostos e consistência com a informação financeira histórica. Os instrumentos previsionais de gestão assumem-se como uma peça fulcral do trabalho a desenvolver pelo auditor público, na medida em que são o resultado da estratégia previamente definida. Deste modo, os orçamentos e os planos devem reflectir a estratégia delineada e ser coerentes com os diferentes níveis funcionais da concessionária e com a esperada conjuntura económica sectorial e nacional [40].

4.2.1.2. Monitorização do desempenho das parcerias

A monitorização do desempenho ou a avaliação da performance das parcerias deve ter subjacente a apreciação de determinados indicadores de actividade, de rendibilidade, de custo, entre outros, consoante o sector onde se insere a concessionária, os quais devem possibilitar uma optimização do controlo operacional e de gestão do parceiro privado. Alguns mecanismos de atribuição de apoios por parte do Estado, nomeadamente de montantes atribuídos a título de indemnizações compensatórias, poderão ser determinados em função do desempenho da prestação do serviço, mediante padrões de qualidade contratuais, aliados a um sistema de penalizações e incentivos, em que menores níveis de performance devem corresponder a uma menor rendibilidade dos capitais.

Esta será, porventura, uma área onde se torna difícil materializar os níveis de desempenho [41] do parceiro privado, na medida em que poderão corresponder à criação de valor social inerente ao fornecimento de um serviço público de valor acrescentado, valor esse que não é facilmente mensurável, não se restringindo a meros aspectos financeiros ou legais. No entanto, para que a administração pública possa manter o controlo e supervisão dos serviços prestados, devem ser previamente definidos padrões e níveis de qualidade, e respectivos mecanismos de mensuração, que vinculem a actuação do sector privado, sendo essa actuação verificada ao longo da execução da parceria. Esses padrões de qualidade podem estar associados a níveis de desempenho económico ou simplesmente serem aferidos mediante a análise da informação contabilística.

4.2.1.3. Aferição do acréscimo de eficiência na afectação de recursos públicos

Uma das finalidades das parcerias, segundo o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, é "o acréscimo de eficiência na afectação de recursos públicos". Ora, o alcance dos fins das parcerias pode depender de um adequado controlo da execução das mesmas. Neste sentido, e tratando-se de uma matéria económica e financeira, na medida em que estão em causa dinheiros públicos, parece que será da competência da IGF [42] a avaliação do acréscimo de eficiência na afectação de recursos públicos.

Nesta óptica, será necessário efectuar uma apreciação substantiva do modelo contratual, no que respeita à forma de utilização de dinheiros públicos, em comparação com os outros modelos que vigoravam até à celebração da Parceria Público-Privada ou que poderiam ser utilizados em alternativa, determinando qual o value for money do projecto, evidenciando quais as vantagens acrescidas em relação às opções tradicionais que justificam a manutenção das condições estabelecidas no contrato de concessão [43].

Importará, caso seja necessário, apresentar recomendações claras, no sentido de traduzirem uma resposta eficaz às exigências de responsabilização e transparência da gestão dos recursos públicos, ainda mais quando as mesmas estão na dependência de empresas privadas responsáveis pela execução de actividades de interesse económico geral. Na verdade, este facto não retira responsabilidades ao Estado em matérias económicas, pelo contrário, acresce as suas competências de controlo ao nível da gestão e, acima de tudo, ao nível dos dinheiros públicos.

4.2.1.4. Identificação de riscos que possam originar encargos adicionais

A abordagem neste espaço de intervenção deverá direccionar-se no sentido de identificar riscos, incertezas e situações contingentes em que o Estado possa incorrer, decorrentes do contratualizado com o parceiro privado ou com origem em mudanças da envolvente. Assim, a IGF deve, ao longo do seu trabalho de fiscalização e controlo, identificar potenciais encargos adicionais, que derivem da matriz de riscos do Estado [44], e que estão normalmente associados ao risco ambiental, ao risco de modificações unilaterais das condições, ao risco de atraso nas expropriações, ao risco de detecção de património histórico e arqueológico, ao risco de procura, para além de todo um conjunto de alterações [45] que vão ocorrendo ao longo da execução da parceria, durante o longo ciclo de vida do projecto, que se tornam impossíveis de antecipar e prever na sua fase inicial e que alteram o enquadramento das parcerias. Será relevante apurar até que ponto a posição do Estado está devidamente salvaguardada, quando tal for exequível, mediante a transferência de riscos para terceiros.

Embora, em alguns casos, seja difícil mensurar esses encargos potencias, deverá existir uma preocupação ao nível da sua identificação e do estabelecimento da melhor estimativa possível, para além da apresentação de recomendações na perspectiva de minimizar os efeitos financeiros que possam ocorrer. Pretende-se, acima de tudo, defender a exposição ao risco do sector público, procurando alcançar um maior equilíbrio entre os parceiros no que se refere à partilha do risco, modificando, na medida em que seja possível, as implicações financeiras que daí possam decorrer.

Os custos associados à reposição do equilíbrio financeiro da concessão, por motivos que derivem da matriz de riscos do parceiro público, podem ser minimizados se o organismo de controlo interno promover acções de antecipação de situações numa fase em que ainda seja possível alterar o desenrolar das coisas. Por outro lado, poderão existir outro tipo de compromissos assumidos pelo Estado, envolvendo a concessão de determinados auxílios financeiros (directos ou indirectos) ou a assumpção de certas responsabilidades, que nem sempre são certos aquando da constituição da parceria, e que se revelam ao longo da execução da mesma.

4.2.1.5. Identificação de situações que possam accionar mecanismos de clawback

Na medida em que as PPP se enquadram numa filosofia de partilha generalizada, que engloba a partilha do risco, dos custos, das responsabilidades, também deveriam prever uma partilha de eventuais ganhos não previstos. Ou seja, os contratos de concessão deveriam incluir cláusulas específicas que permitissem accionar mecanismos de clawback a favor do Estado concedente. Deste modo, futuros ganhos extraordinários ou anormais decorrentes da actividade concessionada passam a ser partilhados entre o parceiro privado e o ente público.

Estas cláusulas nem sempre existem ou se adequam a todas as concessões, no entanto, caso estejam contratualizadas, no âmbito do controlo da execução das parcerias, competirá à IGF avaliar a situação económico-financeira da concessionária e determinar se existem condições para que as mesmas possam ser accionados, de modo a que seja salvaguardada a posição razoável do Estado na repartição de tais ganhos, na mesma medida em que incorre em custos e riscos.

4.2.1.6. Affordability

O recurso às PPP, na medida em que implica encargos a satisfazer pelo parceiro público envolvido, afecta e condiciona os orçamentos futuros compreendidos no período de duração do contrato de concessão. A possibilidade de diferimento do esforço financeiro do Estado, canalizando os pagamentos para futuros orçamentos, permite flexibilizar a despesa corrente por um período de tempo considerável. Na verdade, a realização de projectos em regime de PPP permite conciliar a concretização de vários projectos, vantagem que tem sido aproveitada pelos governos. No entanto, a assumpção de vários compromissos e responsabilidades, para além de todo um conjunto de riscos possíveis de ocorrerem, podem colocar em causa a sustentabilidade dos orçamentos de anos seguintes.

No âmbito das suas competências, caberá à IGF apurar as implicações ao nível dos orçamentos futuros, determinando todo o tipo de encargos assumidos e o valor dos encargos potencias que possam decorrer da assumpção de riscos enquadráveis na matriz do Estado, de modo a que se conheça a capacidade e limites de endividamento. O facto de se converter investimento público em despesa corrente pode não ser compatível com uma boa gestão financeira dos dinheiros públicos, questionando-se eventuais custos de oportunidade. Acima de tudo, o que se pretende é não perder o controlo da despesa pública [46], evitando que haja uma acumulação de encargos que possam condicionar o desenvolvimento de determinadas políticas macro-económicas no futuro.

 
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