Incidências do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) no Código do Procedimento Administrativo (CPA)
Página Anterior
Página Seguinte

2.2. Aspectos decorrentes dos princípios enunciados

Procuraremos, agora, ilustrar mais detalhadamente alguns dos aspectos inovatórios de maior relevância que decorrem daquele quadro de princípios e/ou linhas de força da Reforma, para o que articularemos a exposição à volta dos seguintes eixos que, na óptica do trabalho vertente, nos parecem merecedores de particular atenção [13]: meios processuais estruturantes, meios processuais urgentes, (dentre estes, em particular) providências cautelares, um conjunto de outras inovações processuais, sobretudo ao nível da acção administrativa especial, processo executivo e recurso jurisdicional.


2.2.1. Meios processuais estruturantes

Assiste-se à estruturação do sistema em dois meios processuais essenciais, a saber, a Acção Administrativa Comum, cujo objecto abarca os litígios do domínio da jurisdição administrativa a que se não aplique a Acção Administrativa Especial e esta, tendo por objecto a impugnação de actos administrativos [14], a condenação à prática de actos administrativos devidos e o pedido de declaração de ilegalidade de regulamentos ou da omissão de regulamentos devidos (respectivamente, arts.º 37º e ss. e 46º e ss.).

Abra-se aqui um parêntesis para realçar o particular efeito que a acção para um comportamento devido (condenação à prática de actos administrativos devidos) irá ter na Administração, já que o seu desiderato é suprir a passividade ou o silêncio desta perante um pedido que lhe é dirigido; esse efeito passará, necessariamente, pela desvalorização de tal atitude enquanto ficção de acto de indeferimento (indeferimento tácito), já que esta nova construção assenta, justamente, na valorização do dever de agir da Administração [15].

Enquanto a acção administrativa comum segue os termos do processo civil [16] (acção declarativa, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima), a acção administrativa especial segue uma tramitação própria, regulada no CPTA [17] (respectivamente, ns.º 1 e 2 do art.º 35º).

O enunciado dos tipos de pedido a que corresponde a acção administrativa comum é, contrariamente ao verificado na acção administrativa especial, exemplificativo (n.º 2 do art.º 37º); na realidade, é (designadamente) através deste carácter residual da acção administrativa comum que se garante a tutela jurisdicional efectiva, mesmo para pedidos a que não corresponda meio processual específico, na medida em que, consoante já houve oportunidade de referir, o correspondente princípio, numa das suas vertentes, visa assegurar a admissibilidade de todo e qualquer pedido destinado a obter a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do autor [18].

Todavia, está assegurada uma grande comunicabilidade ou interligação entre ambos os meios processuais, na medida em que se permite a cumulação de pedidos relativos a cada um deles, sendo que, em caso de cumulação de pedidos a que correspondam aqueles dois tipos de acções, os termos a seguir são os da acção administrativa especial (arts.º 4º, 5º e 47º).


2.2.2. Meios processuais urgentes

Àqueles meios processuais acresce um conjunto de Processos Urgentes, que, nos termos do art.º 36º, são os atinentes ao:

Note-se que este último, diferentemente dos anteriores, que se constituem como meios processuais principais, é um meio processual acessório, ou seja, depende de uma causa principal (em cujo âmbito é exercido).

Valerá a pena salientar que a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões foi erigida em meio principal, diferentemente do que sucedia no âmbito da anterior Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) [19].

Por outro lado, é de registar o carácter inovatório da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, meio que se destina a, verificados certos pressupostos, alcançar uma célere decisão de mérito, que imponha à Administração ou a certos particulares [20] a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se mostre indispensável a assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia (ns.º 1 e 2 do art.º 109º).

Quando a pretensão do particular se dirija à prática de um acto administrativo estritamente vinculado, por exemplo, de execução de acto administrativo anterior, é emitida sentença que produza os efeitos do acto devido (n.º 3 do art.º 109º).

Por outro lado, o incumprimento da intimação sujeita o seu destinatário (particular ou titular de órgão) ao pagamento de sanção pecuniária compulsória (n.º 5 do art.º 110º).


2.2.3. Providências cautelares

Quanto a estas verificam-se acentuadas alterações, nomeadamente:


2.2.4. Outras inovações processuais

2.2.4.1. Legitimidade processual

a) No tocante à legitimidade passiva, as inovações resultam mormente do já aludido novo sistema de meios processuais e da vasta possibilidade de cumulação de pedidos (art.º 10º).

Assim e por exemplo, quando a acção tenha por objecto acção ou omissão de uma entidade pública, a parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto ou omissão em causa (n.º 2 do art.º 10º).

No caso de a acção ter por objecto actos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, tem legitimidade passiva o Estado ou a outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença (n.º 3 do art.º 10º).

Todavia, caso o autor indique como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tenha sido formulada a pretensão, tal não obsta a que se considere a acção regularmente proposta, entendendo-se que o foi contra a pessoa colectiva ou, no caso do Estado, contra o ministério em que aquele órgão se insira (n.º 4 do art.º 10º).

Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas colectivas ou ministérios, devem ser demandadas todas as pessoas colectivas ou ministérios envolvidos (n.º 5 do art.º 10º).

b) No tocante à legitimidade activa, a regra geral é a de que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida (n.º 1 do art.º 9º).

Contudo, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, é também reconhecida a qualquer pessoa, a associações e fundações defensoras dos interesses em causa, às autarquias locais e ao Ministério Público legitimidade para propor e intervir, nos termos da lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (n.º 2 do art.º 9º).

Em especial no tocante à acção administrativa especial impugnatória, são detentores de legitimidade activa, v.g. (alíneas a) a f) do n.º 1 do art.º 55º):

Em termos de inovação, merecem destaque as regras de determinação da legitimidade activa no âmbito das acções relativas a contratos, as quais traduzem um notório alargamento a quem não seja parte na relação contratual (alíneas b), c), d) e f) do n.º 1 e alíneas b) a e) do n.º 2, ambos do art.º 40º).


2.2.4.2. Impugnabilidade do acto administrativo

A definitividade do acto administrativo deixa de ser requisito de admissibilidade da impugnação, para esta passando a bastar a eficácia externa do acto, independentemente da sua inserção num procedimento administrativo (n.º 1 do art.º 51º).

Significa isto que deixa de ser exigível um recurso administrativo (necessário), como condição da impugnação contenciosa [21].


2.2.4.3. Prazo de impugnação de actos administrativos

Quanto ao prazo geral de impugnação de actos administrativos anuláveis [22], é aumentado para três meses (alínea b) do n.º 2 do art.º 58º) [23].

Acresce que é facultada a possibilidade de impugnação para além deste prazo, com o limite de um ano, caso se demonstre que a tempestiva apresentação da pretensão não era exigível a um cidadão normalmente diligente, quando: pela conduta da Administração, o autor tenha sido induzido em erro; o atraso seja desculpável face à ambiguidade do quadro legal aplicável ou às dificuldades que, no caso, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável ou à respectiva qualificação como acto ou como norma; tenha havido uma situação de justo impedimento (n.º 4 do art.º 58º).


2.2.4.4. Citações e notificações

Na acção administrativa especial, a citação da entidade pública demandada e dos contra-interessados para contestarem, no prazo de 30 dias, processa-se em simultâneo, sendo da responsabilidade da secretaria do tribunal e podendo, no caso dos contra-interessados serem em número superior a vinte, ser efectuada por publicação de anúncio (n.º 1 do art.º 81º e n.º 1 do art.º 82º).

Na contestação, a entidade demandada, deve deduzir articuladamente toda a matéria relativa à defesa, bem como juntar todos os documentos destinados a fazer prova dos factos que alega (n.º 1 do art.º 83º).

Deve, igualmente, pronunciar-se sobre a dispensa de prova e de alegações finais eventualmente requeridas pelo autor, sob pena de, a final, o não poder fazer (n.º 2 do art.º 83º).

A notificação da entidade demandada e dos contra-interessados para alegarem, no prazo de 20 dias, sendo caso disso e se o pretenderem, é também feita em simultâneo (n.º 4 do art.º 91º).

Quer na acção administrativa comum quer na acção administrativa especial propostas contra a Administração, estabelece-se que a verificação da existência de situações de impossibilidade absoluta ou de excepcional prejuízo para o interesse público que obste à satisfação dos interesses do autor é efectuada na sentença declarativa, evitando-se, assim, relegar esta matéria para o processo executivo, em que as causas legítimas de inexecução só podem ser apreciadas caso se reportem a circunstâncias supervenientes e que a administração não tivesse podido invocar no momento oportuno do processo declarativo (n.º 1 do art.º 45º, art.º 49º e art.º 163º).

Daí que, a existir causa legítima de inexecução, deve a Administração invocá-la, desde logo, no processo declarativo (contestação), sob pena de, ao não poder fazê-lo no processo executivo, ficar sujeita ao pagamento de elevadas indemnizações, em substituição da reposição da situação hipotética caso não tivesse ocorrido a prática do acto ilegal (n.º 3 do art.º 163º).


2.2.4.5. Intervenção processual do Ministério Público

O Ministério Público apenas pode intervir num momento da acção administrativa especial, tendo competência para solicitar a realização de diligências instrutórias, bem como para se pronunciar sobre o mérito da causa, devendo a sua actuação nortear-se pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens constitucionalmente protegidos [24] (n.º 2 do art.º 85º).

Nesse âmbito e tratando-se de processos impugnatórios, pode o Ministério Público invocar causas de invalidade distintas das que tenham sido arguidas na petição, bem como suscitar quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do acto impugnado (ns.ºs 3 e 4 do art.º 85.).

O prazo para exercício destes poderes é de dez dias após a notificação da junção do processo administrativo ou, não ocorrendo esta, após a apresentação das contestações (n.º 5 do art.º 85º).


2.2.4.6. Audiência pública de julgamento

Pode ocorrer, para discussão da matéria de facto, quer por determinação do juiz, quer a requerimento das partes (ns.º 1 e 2 do art.º 91º); neste caso, são nela, também, deduzidas, oralmente, as alegações sobre a matéria de direito; caso contrário, e se as partes não tiverem renunciado a alegações escritas, são notificadas para, querendo, o fazerem no prazo de 20 dias (ns.º 3 e 4 do art.º 91º).


2.2.4.7. Decisão por remissão para jurisprudência anterior

Quando o juiz ou relator considerem que a questão de direito é simples, nomeadamente por ter sido apreciada por tribunal de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária e consistir em simples remissão para decisão precedente (n.º 3 do art.º 94º).


2.2.5. Processo executivo

Outro meio processual inovatoriamente regulado no CPTA é o processo executivo, que comporta três modalidades, a saber, execução para prestação de factos ou de coisas (arts.º 162º e ss.), execução para pagamento de quantia certa (arts.º 170º e ss.) e execução de sentença de anulação de actos administrativos (arts.º 173º e ss.).

Aplica-se a sentenças proferidas pelos tribunais administrativos e, também, a outros títulos executivos atinentes a matérias do domínio da jurisdição administrativa (ns.º 1 e 3 do art.º 157º) e corporiza uma profunda alteração do regime anterior, porquanto, com carácter inovador, se estabelecem reais mecanismos de natureza executiva, inexistentes à face daquele.

Assim, como exemplo de providências realmente executivas, podem citar-se, a entrega judicial da coisa devida, a prestação do facto devido por outrem, se aquele for fungível, a emissão, pelo tribunal, de sentença que produza os efeitos do acto ilegalmente omitido, estando em causa a prática de acto administrativo legalmente devido, de conteúdo vinculado (alíneas a) a c) do n.º 4 do art.º 164º).

Impõe-se uma particular chamada de atenção para a disposição do n.º 4 do art.º 173º [25], que prevê especificamente o conteúdo do dever de executar, quando à reintegração [26] ou recolocação de um funcionário que tenha obtido a anulação de um acto administrativo se oponha o interesse de terceiros, titulares de situações incompatíveis, constituídas há mais de um ano. Em tal caso, aquele funcionário tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro.


2.2.6. Recurso jurisdicional

Também em matéria de recurso jurisdicional o regime foi reformulado, no sentido da aproximação ao processo civil, merecendo realce, entre as mais marcantes inovações, os recursos de revista e o reenvio prejudicial.

O recurso de revista caracteriza-se por permitir, embora a título excepcional, a intervenção do STA em casos que doutro modo lhe não caberia apreciar, visto já ter havido julgamento em segunda instância do Tribunal Central Administrativo.

Equivale isto a viabilizar uma 3ª instância, quando a questão justifique a ponderação daquele tribunal, seja pela importância fundamental decorrente da sua relevância jurídica ou social, seja porque a admissão do recurso se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (n.º 1 do art.º 150º).

O recurso de revista per saltum consiste no recurso directo (de decisão de mérito do tribunal administrativo de círculo), em segunda instância, para o STA, em função do elevado valor da causa, sendo aplicável quando tal valor seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável e as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito (n.º 1 do art.º 151º) [27].

Quanto ao reenvio prejudicial, tem como objectivo permitir a intervenção do STA, para que este emita pronuncia vinculativa, quando à apreciação dum tribunal administrativo de círculo se coloque uma questão de direito nova que suscite dificuldade séria e possa vir a surgir noutros litígios, sendo que o julgamento do STA deve ocorrer no prazo de três meses e está excluído em processos urgentes; por outro lado, a pronúncia emitida pelo STA não o vincula relativamente a novas pronúncias que, em sede de reenvio ou de recurso, venha a emitir futuramente sobre a mesma matéria (ns.º 1, 3 e 4 do art.º 93º).

 
Página Anterior
Página Seguinte