A introdução de mecanismos de contratualização no interior da administração pública |
3.2. As principais características, o enquadramento
A contratualização não assume uma forma única ou uniformizada, podem ser identificados uma vasta variedade de formas de contratos (ou quase contratos [8]), usados para melhorar o desempenho. Estas formas têm mais em comum o processo que leva ao seu estabelecimento e a linguagem contratual que utilizam para especificar o desempenho, do que o tipo e os detalhes dos acordos propriamente ditos.
Dentro de um conceito amplo de contratualização podemos enquadrar:
O elemento comum da contratualização é o objectivo de promover a economia de recursos e uma maior eficiência e eficácia, através do estabelecimento de expectativas de desempenho ligadas a um orçamento, à prestação de serviços, aos impactos da sua actuação e à capacidade da organização.
Estes acordos e contratos de desempenho dentro da Administração, tendem a ser construídos numa base relacional mais do que em modelo de contratos de base jurídica, não sendo geralmente documentos formalmente legais, mas mais acordos, cuja força advém não das sanções legais, mas sim da necessidade partilhada das partes para actuarem em conjunto.
Se a falta de um estatuto legal claro pode parecer problemático em termos conceptuais, as chaves do sucesso destes contratos são a confiança entre as partes e a flexibilidade e a generalidade das regras fixadas, de forma a deixar alguma margem para as incertezas do meio envolvente (político ou económico) e para a dificuldade de especificar os objectivos e medir os resultados.
Segundo Falcão Martins [9], a contratualização só se torna porém efectiva se for enquadrada por um processo mais abrangente de transformação institucional, o que implica:
O estabelecimento de incentivos é uma das questões chave de qualquer processo de contratualização endo-administrativa. Estes devem advir essencialmente da introdução de um laço forte entre o alcance de níveis de desempenho e a perspectiva de ganhos, para os funcionários, designadamente sob a forma de bonificações directas, e para a organização, nomeadamente sob a forma de ampliação progressiva da autonomia.
No entanto, os incentivos de mercado, que estes mecanismos pretendem potenciar, nem sempre podem ser aplicados às organizações do sector público, e mesmo no caso em que o são há também a dificuldade de os ligar aos esforços dos indivíduos.
Além destes aspectos, a viabilidade da contratualização requer ainda o preenchimento de um conjunto mais específico de requisitos:
Em termos mais genéricos, deve ser garantido que o contratante esteja bem posicionado estrategicamente para saber o que contratar e ter condições de acompanhar e avaliar se está a obter o que contratou, e que o contratado tenha condições para alcançar as metas acordadas, quanto aos aspectos organizacionais, aos recursos, à autonomia e aos incentivos.
A aplicação dos mecanismos de contratualização endo-administrativa, nas suas diversas formas, é uma realidade já em diversos países da OCDE. A título de exemplo podem referir-se, designadamente a França, a Bélgica, o Canadá, a Finlândia, a Noruega, a Nova Zelândia, a Austrália e o Reino Unido [10].
Um dos casos emblemáticos é a experiência britânica, essencialmente a partir da política designada como "Next Steps" em 1988, que se desenvolveu através do incentivo à criação de organismos públicos autónomos, com planeamento e avaliação anual de metas e uma lógica de controlo baseado predominantemente no desempenho e menos na conformidade às regras.
Neste caso, a forma predominante que assumiu a contratualização foi a de acordos entre os pagadores e prestadores. Os serviços públicos abandonaram na generalidade as suas tradicionais formas burocráticas, tendo sido divididos, por um lado, em agências montadas para adquirir serviços no seio das comunidades e, por outro, num grupo alargado de organizações de prestação de serviços (públicas, privadas sem fins lucrativos, e privadas com fins lucrativos), que competem entre si para ganhar contratos aos pagadores/compradores [11].
O estudo da OCDE sobre esta temática [12], indica que a contratação de desempenho ocorre mais frequentemente nos modelos anglo-saxónicos de Administração, do que nos sistemas de matriz administrativista, nos quais, face à cultura enraizada de as disposições legais serem a base essencial da gestão, pode ser um caminho mais lento e com custos mais elevados.
Se os contratos de desempenho parecem ter um efeito positivo no desempenho da gestão, eficiência e qualidade dos serviços, como apontam algumas análises que começam a ser desenvolvidas [13], foram também já identificados alguns riscos.
Um deles resulta do facto de o quadro legal que regula a relação contratual entre os organismos públicos, não acompanhar, por regra, as prática instituídas. Outro dos problemas frequentemente identificados, é a limitada eficiência destes processos no controlo dos gastos, já que em paralelo com as poupanças que se obtêm verifica-se um acréscimo de custos. Este acréscimo decorre, quer das próprias tarefas associadas às negociações e ao acompanhamento constante, quer da necessidade de utilizar tecnologias de informação de uma forma mais intensiva, para possibilitar a informação necessária a esse acompanhamento. Aponta-se ainda, que ao ser dada em muitos casos prioridade ao estabelecimento de metas quantitativas, se obtêm baixos padrões de desempenho qualitativo.
Parece assim, que as iniciativas contratuais devem ser inseridas como um dos instrumentos num contexto mais amplo da reforma institucional. É preciso evitar que pela atracção que exerce a sua designação ou por serem consideradas solução para todos os casos, sejam utilizadas sem considerar a necessidade de existirem previamente, ou de serem criadas, as condições que se reconhecem necessárias para o seu sucesso. Em situações em que os custos do processo forem demasiado elevados, manter a actividade tradicional pode continuar a ser a forma mais eficaz de organização.
No entanto, não se pode também ignorar que os instrumentos contratuais são uma via que promove a plena mobilização dos recursos das organizações, na prossecução das políticas e dos fins públicos.