A introdução de mecanismos de contratualização no interior da administração pública
Página Anterior
Página Seguinte

4. Os processos de contratualização no sector da saúde

O sector da saúde, pela própria natureza da sua actividade, que é pouco adaptável às formas de gestão assentes em hierarquias rígidas, é das áreas em que os mecanismos tipo mercado floresceram de uma forma mais significativa.

A expressão contratualização, quando usada no contexto deste sector, se em grande parte dos casos se refere a relações endo-administrativas, designadamente no âmbito de países em que tradicionalmente o sector é essencialmente público, contempla também as relações entre entidades públicas e privadas (prestadores de cuidados de saúde privados e financiadores públicos ou vice-versa) ou apenas entre entidades privadas.

No entanto, enquanto os mecanismos contratuais entre as entidades públicas e privadas ou entre as entidades privadas, são utilizadas já há bastante tempo com o objectivo de estabilizar as relações entre as partes, pode considerar-se que a principal novidade das reformas mais recentes foi a extensão dos princípios contratuais ao interior da própria Administração pública.

O crescente interesse nos mecanismos de contratualização na área da saúde, pode ser atribuído ao desapontamento com os mecanismos tradicionais de financiamento retrospectivo, pretendendo-se agora utilizar mecanismos de pagamento prospectivo, de modo a assegurar que a baixa qualidade e as práticas ineficientes não são recompensadas, enquanto as práticas orientadas para obter ganhos de saúde na população são reconhecidas e remuneradas.

A contratualização neste sector baseia-se, de uma forma quase generalizada, no princípio da separação entre o prestador e o pagador. Este princípio, assenta na identificação de três intervenientes num sistema de saúde, os indivíduos/cidadãos (primeira entidade), os prestadores de cuidados de saúde (segunda entidade) e os pagadores (terceira entidade).

As funções de pagador e prestador, nas sociedades em que o financiamento da saúde é essencialmente público e baseado nos impostos, estava tradicionalmente entregue à mesma entidade, representada pela Administração pública, envolvendo um conjunto de organismos inrterligados entre si por relações de hierarquia. O que se pretendeu com a introdução da contratualização, foi autonomizar as funções públicas de pagamento das funções de prestação de cuidados de saúde.

Neste quadro, a terceira entidade pagadora assume-se como charneira entre os cidadãos e os prestadores de cuidados de saúde, sendo-lhe atribuíveis três funções [14]:

A contratualização assume porém, dentro deste mesmo contexto de pagador/prestador, formas distintas. Pode, por exemplo, ser realizada entre partes relativamente autónomas, que pressionam no sentido dos seus interesse de uma forma activa e forte, ou, por outro lado, com base em contratos com carácter menos formal, em que as partes contratantes têm uma identidade de interesses muito próxima.

Além disso, o relacionamento contratual entre o pagador e o prestador, pode desenrolar-se através de diferentes modalidades de pagamento. Pode assentar designadamente:

A escolha da forma de pagamento, não é indiferente quanto às implicações sobre o funcionamento dos serviços de saúde, ao nível da eficiência e da efectividade. Aponta-se, por exemplo, ao pagamento por acto, que este cria incentivos para um excesso na prática dos actos contratados, sem correspondência nas necessidades de cuidados de saúde da população utilizadora, gerando, consequentemente, um nível de despesa excessivo.

Entre as razões que se podem invocar para subscrever a introdução de relações contratuais nas estruturas tradicionais de gestão dos sistemas de saúde, com financiamento baseado nos impostos, temos designadamente as seguintes:

As experiências de introdução de mecanismos de contratualização no sector da saúde, divergem entre os vários países. De entre os países com financiamento essencialmente público, podem-se referir, a título de exemplo, os casos do Reino Unido e da Finlândia.

No Reino Unido as partes contratantes são, a partir de 1988, as autoridades regionais de saúde, que até aí estavam envolvidas quer no financiamento quer na gestão dos hospitais, e que actuam como pagadores, e os hospitais públicos, sem fins lucrativos e em auto-governo (os designados trusts), como prestadores de serviços.

Uma especificidade do modelo britânico é a intervenção dos clínicos gerais (GP - General Practitioners), a quem é atribuída uma dotação de base capitacional para gerirem, que actuam também como pagadores, ou seja, como compradores de alguns actos de internamento ou de ambulatório dos hospitais, para os pacientes que integram as suas listas.

Neste processo de contratualização, os hospitais competem entre si na obtenção dos contratos com as autoridades regionais de saúde e com os clínicos gerais que gerem dotações.

Na Finlândia, as reformas iniciadas em 1993, deram mais liberdade aos municípios, que tradicionalmente têm a seu cargo o financiamento e a prestação de cuidados de saúde. Em concreto, foi-lhes permitido tomar um papel mais activo em relação aos prestadores, tendo o financiamento de cada hospital passado a depender dos serviços que lhe são requisitados. Este sistema, contendo já alguns elementos de contratualização, não representa ainda uma plena separação entre o prestador pagador, já que as autoridades municipais continuam a ter responsabilidade directa sobre os prestadores.

A avaliação das experiências realizadas apontam para que, de uma forma geral, a contratualização, conduz a uma afectação mais eficiente dos recursos, e aumenta a capacidade para fazer face às solicitações aos prestadores de cuidados de saúde, reforçando também a eficiência técnica.

Considera-se ainda que a contratualização pode gerar equidade, se através do conhecimento prévio das necessidades de cuidados de saúde, tiverem em conta os grupos mais desfavorecidos e vulneráveis. No entanto, o estabelecimento de contratos e de mecanismos de mercado, pode também ter uma influência perversa na equidade, podendo tornar, por exemplo, os serviços menos lucrativos não prioritários.

Como aspecto chave, salienta-se que o avanço no sentido de sistemas mais sofisticados de contratualização, está limitado por insuficiente informação para uma política de aquisição efectiva, implicando grandes investimentos nos sistemas de informação.

A experiência prática de aplicação, têm vindo também a comprovar que, em termos administrativos, os processos de contratualização (com os inerentes mecanismos de negociação e de avaliação) são mais onerosos que os tradicionais modelos assentes em relações hierárquicas [15], sendo necessário um acréscimo significativo na eficiência e na qualidade para justificar esses custos.

 
Página Anterior
Página Seguinte