Finalidades extrafiscais da tributação especial do consumo
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1. Introdução

Aos impostos costumam, tradicionalmente, ser atribuídos dois tipos de finalidades: fiscais e extrafiscais. Com efeito, existem impostos que o Estado cobra apenas para obter receitas - os "impostos fiscais", enquanto outros são cobrados para simultaneamente obter receitas e atingir outras finalidades ou mesmo só para a consecução desses outros fins - os "impostos extrafiscais" [1]. Todavia, tendo em conta que os dois tipos de objectivos não são estanques nem inteiramente autonomizáveis, a doutrina considera, em geral, que os denominados impostos fiscais são aqueles cuja finalidade imediata é apenas a cobertura de despesas, sendo os impostos extrafiscais aqueles cuja finalidade imediata não é apenas essa ou nem sequer é essa [2].

Ora, uma questão bastante discutida na doutrina consiste, precisamente, em determinar quais são os principais objectivos prosseguidos pelos impostos especiais de consumo. Na verdade, para além do objectivo fiscal associado à obtenção de receitas, estes impostos costumam também ser justificados por outras finalidades, ditas extrafiscais [3].

O objectivo fiscal dos impostos especiais de consumo, isto é, a sua finalidade de obtenção de receitas para financiamento do Estado, constitui, à partida, o seu objectivo mais saliente. Na verdade, estes impostos consubstanciam efectivamente uma importante fonte de receitas, com um significativo destaque nos sistemas fiscais de grande parte dos países. Se é certo que a sua relevância enquanto tributos geradores de receitas já foi historicamente muito superior à que actualmente lhes é característica, em especial nos países mais desenvolvidos, estes impostos continuam a ocupar um lugar de evidência no conjunto das receitas fiscais globais ou mesmo por referência ao produto interno bruto dos respectivos países em que são cobrados.

Assim, de acordo com os dados fornecidos pela OCDE - embora reportados aos impostos considerados em toda a classe 5120 (impostos sobre bens e serviços determinados) -, não obstante o decréscimo registado na importância relativa destes tributos desde 1965 até aos anos 90, nessa década registou-se uma certa estabilização dos valores evidenciados [4]. De notar, em relação a Portugal, por referência ao ano de 2003, que a receita do conjunto dos impostos especiais de consumo totalizou mais de 5.362 milhões de euros, isto é, quase um quinto da totalidade das receitas fiscais [5].

A finalidade de obtenção de receitas é, sem dúvida, a razão que tem estado mais frequentemente na origem da introdução de impostos especiais de consumo. Com efeito, a existência de determinados produtos susceptíveis de um controlo relativamente simples, de consumo generalizado, com incidência não muito significativa nos orçamentos familiares e com procura pouco elástica, tem constituído, conforme refere GIMENO (1994: 37), uma "… tentación recaudatoria difícilmente superable para los fiscos …" [6].

Para além deste objectivo fiscal, estes tributos têm sido ainda usualmente justificados, no seio da doutrina, por diversas finalidades extrafiscais. Aliás, a crescente assunção da relevância destes tributos, patente não só pela cada vez maior atenção que lhe tem sido dedicada pela doutrina, bem como pelas autoridades comunitárias e pelos governos nacionais em toda a União Europeia, decorre não só do seu importante papel enquanto instrumentos fiscais, mas também das possibilidades que lhes são reconhecidas enquanto meio de prossecução de fins extrafiscais.

Atente-se, a este propósito, no próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 566/99, de 22.12, que aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), em que se pode ler que "converge-se hoje, não só no reconhecimento da importância financeira destes impostos, como no da sua importância política, elementos sinalizadores que são do próprio estado da integração europeia e das políticas extrafiscais que os Estados membros da União se propõem realizar".

Estas finalidades extrafiscais emergem, aliás, cada vez mais, como veremos, como uma forma de legitimação racional deste sector da tributação, em ordem a justificar a introdução de novos impostos ou o agravamento dos já existentes.

Ora, é precisamente este o objecto do presente trabalho, o qual visa, em termos gerais, analisar as principais tendências, mormente no plano internacional, quanto aos principais fins extrafiscais da tributação especial do consumo [7].

 
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