Notas em torno do dever de diligência dos gestores de sociedades
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2.1. Algumas aproximações à densificação do conceito de diligência

Segundo ANTUNES VARELA [6], o dever de diligência é o "dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não verificação do facto ou o dever de o ter previsto e ter tomado as providências necessárias para o evitar".

Como refere PESSOA JORGE [7], a diligência intervém quer para definição de comportamentos necessários, quer para efeitos de remoção de obstáculos ao cumprimento, considerando que não se pode contrapor o dever de diligência aos demais deveres dos gestores, dado que aquele está sempre subjacente a estes.

Especificamente em relação ao art.º 64.º, do CSC, na interpretação da sua primeira parte, RAÚL VENTURA [8] considera que a mesma não tem ínsita uma intenção de preenchimento enunciativo do conceito indeterminado aí contido, dado que a heterogeneidade das sociedades impede ou dificulta qualquer pretensão de efectuar tal enunciação [9].

Associando as qualidades do gestor, objectivamente consideradas, com as especificidades da sociedade [10], concluir-se-á se houve ou não desrespeito pelo dever de diligência.

As qualidades objectivas do gestor consubstanciam-se em determinadas capacidades técnicas e profissionais.

Não obstante, a diligência não se confunde com a perícia, ou seja, ao gestor não é exigido que domine tecnicamente todas as questões com que se depara [11]. No entanto, no caso de não as dominar, deverá recorrer a terceiros, que o possam assessorar [12]. Consequentemente, para efeitos do preenchimento do conceito de diligência, não relevam as qualidades específicas do agente, designadamente a inexistência de conhecimentos ou de apetências [13] para o exercício do cargo [14].

"... [O] administrador só se exonera das consequências do incumprimento das suas obrigações quando ocorra impossibilidade objectiva superveniente e não se pode considerar que a falta de perícia do administrador integre essa causa de justificação do incumprimento" [15]. "... [L]'obbligo di diligenza dell'amministratore non può comportare un dovere generale di perizia su ogni aspetto dell'attività gestoria, ovvero di competenza amministrativa, contabile, industriale, commerciale e finanziaria" [16].

A diligência não se confunde com a falta de êxito na actividade. Com efeito, inerente ao exercício do cargo de gestor, está uma margem de risco, que implica que, mesmo actuando diligentemente, o gestor possa não ser bem sucedido no seu cargo.

O gerente, administrador ou director tem uma margem de discricionariedade na sua actuação, margem essa que comporta risco.

Nem sempre o risco que se corre traz consequências positivas; no entanto, tal não decorrerá necessariamente da falta de diligência do gestor. O insucesso não implica, pois, forçosamente uma violação do dever de diligência [17].

Caberá, perante cada caso concreto, indagar se o risco assumido pelo gestor era adequado, para daí se verificar se a actuação foi ou não diligente. Dever-se-á aferir, casuisticamente, se o risco assumido foi ou não conveniente à situação em causa e se a falta de êxito se deveu ou não à falta de diligência do gestor [18].

A este propósito, a jurisprudência e a doutrina italianas têm ido no sentido de não ser apreciado o mérito das decisões tomadas, por contraposição às alternativas que estariam ao dispor do gestor, salvaguardando-se, assim, o princípio da insindicabilidade do mérito das opções de gestão [19]. Ao julgador caberá, sim, avaliar se a decisão tomada violou ou não os deveres a que o gestor está obrigado [20].

Por referência ao duty of care, contido nos Principles of Corporate Governance, do American Law Institute, há quem considere que deveria haver uma maior densificação na definição do comportamento devido pelo gestor, a fim de proporcionar uma maior previsibilidade à apreciação do julgador [21]. Aquele dever é constituído por quatro subdeveres [22], a saber: o duty to inquiry, que impõe um dever ao administrador de colher informações adequadas para a tomada de decisões, o duty to monitor, que consiste no dever de acompanhar e vigiar a gestão da sociedade, o dever de razoabilidade do percurso de decisão e o dever de razoabilidade da decisão. Tendo em conta que, para apreciação de uma eventual violação do duty of care dos gestores, a parte que a invoca tem de alegar e provar uma série de elementos determinados [23], à partida haverá uma maior previsibilidade em termos de definição do que deve ser prosseguido pelo gestor.

Cumpre ainda referir a opinião de MENEZES CORDEIRO, que entende não ser possível fundamentar a responsabilidade dos gestores somente na violação do art.º 64.º, do CSC [24], em virtude de este conter um conceito indeterminado, opinião que não subscrevemos [25]. Para este A., é sempre necessária a violação de uma norma legal ou estatutária determinada.


 
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