Notas em torno do dever de diligência dos gestores de sociedades |
2.2. Relevância da primeira parte do art.º 64.º, do CSC, em sede de culpa ou em sede de ilicitude
A primeira parte do art.º 64.º, do CSC, suscita interpretações diversas, no que toca à sua relevância em sede de culpa ou em sede de ilicitude.
RAÚL VENTURA e LUÍS BRITO CORREIA [26] entendem que não é correcto abordar a questão da falta de diligência no âmbito da apreciação da culpa. A avaliação de um determinado acto, como violador do dever de diligência, determinará a sua ilicitude; a culpa será analisada posteriormente.
No mesmo sentido, PEDRO CAETANO NUNES [27] entende que "o critério do gestor criterioso e ordenado permite uma concretização da conduta devida pelos administradores nas situações concretas (...) [, sendo] uma matéria que respeita ao juízo de ilicitude e não uma matéria relativa à culpabilidade".
Para ANTUNES VARELA, o conceito indeterminado "gestor criterioso e ordenado" surge para determinar, em abstracto, a culpa do gestor, não afastando o requisito da ilicitude [28].
Em nosso entender, o dever de diligência releva nas duas sedes, i.e., em termos de ilicitude e de culpa [29].
Dado que não é possível ao legislador esgotar, na densificação que faça, o elenco dos deveres dos gestores [30], uma norma geral, como o art.º 64.º, do CSC, permite definir um padrão de actuação, ao qual há que reconduzir os actos concretos. Como tal, a sua violação constituirá um acto ilícito [31]. Daí que se entenda que o dever de diligência é uma cláusula geral residual, na medida em que inclui em si todos os deveres dos administradores que, sem estarem expressamente previstos, se consideram como integrantes das funções em causa [32].
Por outro lado, recorrendo ao padrão da diligência em causa, poderemos concluir se um determinado acto ilícito é ou não culposo, na medida em que seria ou não praticado por um gerente, administrador ou director criterioso e ordenado [33].